Por Natália Soriani* –
A judicialização da saúde suplementar no Brasil vem crescendo de maneira expressiva, destacando um cenário de conflito entre consumidores e operadoras de planos de saúde. Dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que o número de processos judiciais contra essas operadoras aumentou 33% em 2023, em comparação ao ano anterior, atingindo cerca de 234,1 mil ações. Essa elevação substancial acendeu o alerta do Supremo Tribunal Federal (STF) e o próprio CNJ, que buscam formas de reduzir a litigiosidade no setor.
Uma das principais causas desse aumento é a Lei 14.454, sancionada em setembro de 2022.
Essa lei modificou a interpretação do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que deixou de ser taxativo e passou a ser considerado exemplificativo. Dessa forma, tratamentos recomendados por médicos, mesmo que não estejam incluídos no rol da ANS, podem ser exigidos judicialmente. Vale destacar que as operadoras de planos de saúde argumentam que essa mudança trouxe insegurança jurídica e elevou expectativas dos consumidores, incluindo a cobertura de tratamentos sem comprovação científica robusta.
Outro fator relevante que contribuiu para o aumento das ações judiciais foi a decisão da ANS de eliminar o limite de sessões para terapias como psicologia e fonoaudiologia, o que gerou um aumento das demandas, especialmente em casos de crianças com transtornos do desenvolvimento. Além dessas mudanças regulatórias, o envelhecimento da população e o avanço das tecnologias médicas também impulsionam a judicialização nos últimos anos.
São registradas diariamente em órgão de defesa do consumidor e também em nosso escritório reclamações que atestam a piora na qualidade dos serviços prestados e práticas abusivas das operadoras, como a recusa de cobertura e reajustes excessivos. A pandemia da Covid-19, sem dúvidas, foi responsável pela elevação das demandas reprimidas, mas há indícios de que a raiz do problema está em práticas inadequadas e na falta de transparência por parte das operadoras.
O aumento da judicialização preocupa o setor de saúde suplementar, que já enfrenta desafios de sustentabilidade financeira. Operadoras argumentam que a flexibilização das coberturas aumenta a incerteza jurídica, o que pode inviabilizar financeiramente suas operações. A saída de grandes seguradoras internacionais do Brasil é vista como um reflexo desses desafios.
Para tentar reverter essa curva ascendente, a ANS afirma que tem intensificado a fiscalização e adotado medidas para melhorar a regulação, com o objetivo de reduzir o número de ações judiciais. Uma dessas iniciativas é a Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), que tem se mostrado eficaz na resolução de conflitos entre consumidores e operadoras.
No entanto, existe a necessidade de uma regulamentação mais detalhada, especialmente no caso dos planos coletivos, que representam a maior parte dos contratos de saúde suplementar.
O aumento das ações judiciais contra planos de saúde reflete uma combinação de fatores legais, regulatórios e de mercado. O desafio é encontrar um equilíbrio entre a garantia de direitos e a viabilidade econômica das operadoras. A colaboração entre reguladores, operadoras, consumidores e o Judiciário será essencial para resolver esses impasses e criar um sistema de saúde suplementar mais justo e eficiente.
*Natália Soriani é especialista em Direito da Saúde e sócia do escritório Natália Soriani Advocacia