Repasses filantrópicos – como os realizados para as vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul – devem ser devidamente contabilizados; empresa precisa ficar atenta a limites legais e guardar documentos que comprovem a transação
Em um momento em que as empresas se envolvem em uma corrente de solidariedade para ajudar as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, há cuidados que as pessoas jurídicas precisam na hora de repassar recursos em forma de doação. Além das medidas relativas à checagem da credibilidade da instituição escolhida, um guia rápido sobre o tema elaborado pelo escritório Pinheiro Neto Advogados mostra que há também questões regulatórias a serem consideradas, como o registro da operação na contabilidade da companhia e a atenção a limites estabelecidos por lei.
As respostas abaixo foram elaboradas pelos advogados Daniel Costa Rebello e Vinicius Pimenta Seixas, sócios de Pinheiro Neto Advogados, com auxílio de suas equipes.
Veja abaixo perguntas e respostas sobre o que uma empresa deve checar antes de fazer uma doação:
Como a empresa pode se certificar de que o dinheiro doado está indo para uma instituição confiável?
Infelizmente, em situações de desastres, há um aumento significativo de golpes e fraudes por pessoas mal-intencionadas. Eis alguns cuidados simples:
(a) Não confie em mensagens de WhatsApp, Telegram e mídias sociais. Mesmo que as mensagens venham de alguém do seu círculo social, muitas vezes elas são encaminhadas e podem ser golpes. Também não confie em ligações que se identificam como instituições, bancos ou governos e pedem doações;
(b) Evite doações para pessoas físicas e doações em espécie. Doações de empresas devem preferencialmente ser direcionadas a instituições;
(c) Se preferir, faça doações a canais de doação oficiais. Para garantir que o site da doação é oficial, vale confirmar que o domínio do navegador possui a extensão “.gov.br” e que possui o protocolo de segurança “https”;
(d) Para doar para instituições, é essencial verificar o nome da instituição na internet, conferir se ela possui boa reputação, de quais projetos já participou e se há prestação de contas. Também é importante buscar por notícias tratando da instituição e checar se os mecanismos de busca retornam resultados que relacionam a instituição a fraudes, golpes, corrupção ou lavagem de dinheiro;
(e) Antes de efetivar a doação, confirme que o destinatário da doação coincide com o nome da instituição. Em caso de PIX ou transferência, prefira chaves PIX que utilizem CNPJ;
Em caso de doações em valores expressivos, é ainda mais relevante conhecer a instituição e realizar um trabalho de diligência que fique devidamente documentado. Nesse processo, convém entender a estrutura organizacional, histórico e práticas de governança da instituição, inclusive Códigos de Ética e políticas de transparência.
Quais são os cuidados jurídicos a se tomar?
Evite doações esparsas para várias entidades. Isso aumenta o risco. Tente concentrar as doações em uma entidade de credibilidade.
Convém formalizar a doação por meio de um termo de doação, indicando, no mínimo, que: (a) a entidade destinará os recursos exclusivamente para mitigar os efeitos das enchentes do Rio Grande do Sul; (b) a entidade garante a conformidade com todas as leis e regulamentos aplicáveis, como a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção); (c) a entidade prestará contas da destinação do recurso.
Além disso, é importante observar as regras da empresa quanto a doações. No âmbito do compliance empresarial, as doações devem estar em conformidade com as regras internas da empresa. Também é essencial evitar situações de conflito de interesses, em que a doação pode favorecer indivíduos dentro da instituição.
Todas as doações devem ser devidamente documentadas e a empresa deve manter registros adequados de todas as transferências realizadas.
A doação precisa sair do caixa da empresa? Como isso deve ser informado à Receita Federal e/ou ao governo?
Doação realizada por pessoa jurídica deve ser registrada adequadamente nos registros contábeis – indicando valor e beneficiário da doação, com os devidos documentos comprobatórios –, devendo necessariamente sair do caixa da própria empresa e não dos seus acionistas ou terceiros. No âmbito da legislação federal, especialmente no que diz respeito à apuração do IRPJ e da CSL das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real, existem dispositivos legais que visam estimular doações a entidades sem fins lucrativos de diversos setores (social, cultural, inovação, tecnologia, etc.). O artigo 13, § 2º, inciso III, da Lei 9.249/95, prevê que as pessoas jurídicas são autorizadas a deduzir os valores doados, até o limite de 2% do lucro operacional (antes de computada a sua dedução).
Como justificar a saída de dinheiro do caixa da empresa?
Para justificar a saída de dinheiro do caixa da empresa, é fundamental manter registros precisos e transparentes da doação realizada. Primeiramente, deve ser efetuado o registro contábil da saída de dinheiro do caixa. Isso deve incluir a data da transação, o valor exato retirado e a finalidade da saída (por exemplo, doação). A empresa deve manter também o comprovante de pagamento/transferência da doação como prova da transação. Pode ser um recibo, uma nota fiscal ou outro documento válido que evidencie o montante retirado do caixa e para qual finalidade.
É importante separar a doação da empresa da doação feita pelo dono da empresa?
É fundamental manter uma clara distinção entre o dinheiro da empresa e o dinheiro do dono da empresa por vários motivos importantes: uma empresa é uma entidade legal separada dos seus proprietários. Misturar fundos pessoais com os fundos da empresa pode complicar questões legais e fiscais. Manter a separação ajuda a garantir que a empresa cumpra com suas obrigações tributárias e regulatórias de forma adequada.
No caso específico da doação, considerando a possibilidade de dedução de até o limite de 2% do lucro operacional para apuração do IRPJ e da CSL da empresa, é fundamental que exista um controle dos recursos que são empresa e que são do patrimônio pessoal do sócio para que seja possível cumprir com as regras fiscais relacionadas.
É sempre melhor fazer a doação como pessoa jurídica? A partir de qual valor?
A decisão de fazer uma doação como Pessoa Jurídica (PJ) ou Pessoa Física (PF) depende de vários fatores, incluindo o valor da doação e os impactos fiscais. Fazer uma doação como PJ pode oferecer benefícios fiscais diferentes dos disponíveis para pessoas físicas. Empresas podem ter deduções fiscais específicas para doações, como mencionado anteriormente. Portanto, em alguns casos, é mais vantajoso fazer doações como PJ, especialmente se a empresa pode deduzir o valor doado de seus impostos.
As PFs, por outro lado, podem deduzir até o limite de 6% do imposto apurado as doações realizadas, desde que optem por apresentar sua declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) por meio do modelo completo e efetuem as doações para fundos específicos (Fundo da Criança e do Adolescente, Fundos dos Direitos do Idoso e outros) previstos pela legislação (Lei nº 12.594/12).
William Correia
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