Por Marcia Juliane Rebolhedo Chagas
Em uma fase marcada pela descoberta e pelo rápido crescimento, a infância tem carregado consigo uma preocupação séria: muitos pequenos estão adotando hábitos alimentares prejudiciais. Em meio às curiosidades gastronômicas típicas desse período da vida, é surpreendente observar o elevado consumo de açúcar e comidas industrializadas, que, muitas vezes, se enraízam na rotina alimentar infantil sem que ao menos percebamos.
Nesse contexto, é essencial compreender que a má alimentação na infância não é apenas um problema imediato, mas que acarreta sérias consequências no futuro e na qualidade de vida dessas crianças. De acordo com dados do Sistema Único de Saúde (SUS), os números alarmantes da obesidade infantil se multiplicaram cinco vezes entre 2005 e 2019, revelando que 13% das crianças de 5 a 9 anos e 7% dos adolescentes de 12 a 17 anos já sofrem com a obesidade.
Quando consideramos o cenário após a pandemia de Covid-19, a situação se torna ainda mais grave. O Ministério da Saúde alerta que 20% dos pequenos com menos de 5 anos sofrem com anemia por falta de ferro, enquanto 17% apresentam déficit de vitamina A.
Diante deste panorama desafiador, a nutrição na infância desponta como um elemento imprescindível para melhorar o futuro das crianças. Por isso, é chegada a hora dos pais assumirem a responsabilidade de orientar e supervisionar a alimentação de seus filhos, criando um ambiente propício para o pleno desenvolvimento, tanto físico quanto mental, das novas gerações.
Os riscos e consequências da ingestão excessiva de alimentos não nutritivos
No universo das escolhas alimentares infantis, é imprescindível compreender de maneira aprofundada os riscos e consequências associados a uma alimentação não saudável. Neste sentido, os dados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani) lançam luz sobre uma realidade preocupante: 70% das crianças entre seis e 23 meses consomem açúcar com frequência, alcançando a marca alarmante de 87% na faixa etária dos dois aos cinco anos.
Ao observar este contexto vale destacar que a glicose, principal fonte de energia para o cérebro, tem sua maior parte proveniente do açúcar e o excesso dessa ingestão representa uma ameaça à saúde física, além de impactar negativamente o desenvolvimento cognitivo e comportamental infantil. Dessa forma, a sobrecarga cerebral gerada por esse consumo massivo pode resultar em problemas como má concentração, hiperatividade e variações abruptas de humor, fatores que reverberam diretamente no rendimento escolar e no processo de aprendizagem de crianças e adolescentes.
É compreensível que, em ocasiões pontuais, como fins de semana e feriados, a rotina alimentar se afaste um pouco do padrão saudável. Contudo, incorporar essa prática no cotidiano das crianças é extremamente prejudicial. Mesmo que muitas famílias enxerguem nesses momentos a chance de proporcionar experiências gastronômicas únicas, a oferta constante de alimentos fora do padrão saudável pode desencadear a recusa alimentar e modificar drasticamente o paladar infantil. Assim, a conexão entre diversão e alimentação prejudicial impacta negativamente a percepção dos pequenos, resultando em quadros de desânimo, sonolência, problemas intestinais e dores abdominais, decorrentes da má absorção e da presença de gases pelo excesso de açúcar e gorduras saturadas.
O impacto da alimentação saudável no desenvolvimento infantil
Compreender a importância dos nutrientes é fundamental para garantir um crescimento saudável e criar um ambiente propício para o desenvolvimento das crianças. Por conta disso, os pais precisam ser determinados em resistir aos desejos momentâneos dos pequenos, entendendo que eles ainda não têm discernimento para fazer escolhas nutricionais conscientes.
Dentro dos nutrientes essenciais na alimentação infantil, o ferro, presente em vegetais verdes, leguminosas e cereais integrais, é necessário para o desenvolvimento imunológico e cognitivo. Proteínas, importantes para o desenvolvimento muscular, podem ser encontradas em carnes e leguminosas. Fibras, que contribuem para o funcionamento adequado do intestino, também devem fazer parte da dieta diária.
A água, muitas vezes esquecida, é vital para o pleno funcionamento físico e mental. Por isso, os pais devem incentivar a hidratação de seus filhos, especialmente considerando que algumas crianças têm dificuldade em beber água e optam por alternativas açucaradas, como sucos e refrigerantes, o que não deve ser incentivado.
Neste sentido, é importante que as crianças compreendam a importância de estabelecer uma rotina de alimentação saudável para si mesmas, reconhecendo que as refeições diárias são oportunidades para nutrir seus corpos de forma equilibrada e proveitosa. Essa compreensão pode ser promovida de maneira lúdica e educativa, transformando a alimentação em uma experiência positiva.
Assim, é possível encontrar maneiras de flexibilizar a alimentação, evitando ultra processados e açúcares. A produção caseira desses alimentos, por exemplo, além de oferecer maior controle sobre os ingredientes, também transforma o ato de cozinhar em uma atividade inclusiva e envolvente, proporcionando não apenas nutrição, mas também momentos de aprendizado e interação entre pais e filhos.
O papel da escola no incentivo à alimentação saudável
A contribuição da escola no estímulo à alimentação saudável é de extrema relevância, considerando que as crianças passam longas horas nesse ambiente, frequentemente realizando mais de uma refeição no local. Neste sentido, a presença de profissionais qualificados, aliada a projetos voltados a promoção de uma alimentação consciente, desempenha um papel transformador, despertando o interesse dos estudantes por alimentos nutritivos e colaborando ativamente com a formação de hábitos saudáveis.
Ademais, é fundamental que a escola ofereça refeições adequadas a diferentes faixas etárias, adotando abordagens afetuosas e respeitosas. A realização de projetos de conscientização sobre a importância dos alimentos, conduzidos por nutricionistas e professores, também é uma forma ativa de alertar pais e filhos sobre os riscos relacionados ao consumo exagerado de alimentos industrializados e ultra processados.
Conscientizar pais, familiares e escolas sobre a importância da alimentação infantil é um passo necessário na construção de um futuro mais saudável. Superar os desafios relacionados aos hábitos alimentares demanda esforço coletivo, mas a recompensa é imensurável. Ao nutrir crianças de forma adequada, estamos investindo não apenas no presente, mas construindo um alicerce sólido para um futuro mais saudável e promissor, garantindo que as gerações futuras cresçam com saúde física e mental.
Marcia Juliane Rebolhedo Chagas é nutricionista da Unidade do Rio de Janeiro da Rede de Colégios Santa Marcelina, instituição que alia tradição à uma proposta educacional sociointeracionista e alinhada às principais tendências do mercado de educação.