O Brasil vem tentando, desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conquistar posição de protagonista mundial. Faz uma aposta alta, reiterada nas inúmeras viagens internacionais do chefe da Nação nas quais busca influenciar decisões de repercussão internacional enquanto, paralelamente, acalenta o sonho de conquistar um assento no Conselho de Segurança da ONU, órgão que já se mostra anacrônico e não se presta mais a representar o mundo.
Embora legítimo, o movimento brasileiro esbarra em posicionamentos dúbios, por vezes contraditório, suficientes para despertar a desconfiança internacional sobre a capacidade diplomática de nosso país, nitidamente contaminada pela ideologia política do presidente. É o que revelam os fatos.
O governo brasileiro apressou-se em se apresentar para negociar o cessar-fogo na guerra entre Palestina e Israel. Sem sucesso, passou claramente a tomar partido do Hamas, contrariando o princípio básico da neutralidade por quem se dispõe a buscar a paz.
Não foi, porém, novidade. Já havia o precedente em relação à postura diante da invasão da Ucrânia pela Rússia, que inviabilizou qualquer chance de sucesso na mediação do conflito no leste europeu.
Curiosamente, muito recentemente, diante da realização de plebiscito da Venezuela para tomar parte do território da Guiana, o governo brasileiro, aliado de Nicolas Maduro, apressou-se em se posicionar no sentido de que a questão é um problema interno da Venezuela.
O mais adequado – e esperado – seria o Brasil se posicionar de forma intransigente em defesa do estado democrático de direito, da soberania e do respeito às leis e acordos internacionais. O que se vê, todavia, é o Brasil se aliando cada vez mais a estados que nada têm de democráticos. Apoia Venezuela, Rússia, China e Irã. Alia-se a ditadores que se perpetuam há muitos anos no poder, fingindo não enxergar se tratar de teocracias e regimes com eleições de fachada.
O país exercita uma política externa indisfarçavelmente contraditória, que sinaliza uma coisa e faz outra. Mais um exemplo disso foi dado agora na COP 28, a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Ao lado das questões climáticas, o presidente brasileiro dedicou-se a tentar acelerar e concluir o acordo entre Mercosul e a União Europeia, mesmo à revelia da Argentina, integrante do bloco sulamericano. Fracassou e o mundo inteiro ouviu o presidente francês Emmanuel Macron afirmar que o discurso de Lula se parece com o dele, mas a semelhança é meramente retórica porque o Brasil não pratica o mesmo que a França. Macron se posicionou contra o acordo por considerá-lo “completamente contraditório” e restou a Lula dizer que a posição do presidente francês não é a posição da União Europeia.
A pergunta é: como ser protagonista se o Brasil não tem comportamento de protagonista? O país e a intelligentsia nacional acreditam que basta ser a 9ª economia do mundo; o 5º maior país em área territorial e a nação com a 7ª maior população.
É uma ilusão que seria desfeita se o Brasil olhasse primeiro para dentro antes de sonhar com um papel de relevância no Exterior. A nação precisa reconhecer que tem doenças sérias, amplamente conhecidas por todos os líderes mundiais.
Essas doenças são desigualdade gigantesca, fome, miséria, baixa escolaridade, desnutrição infantil, violência urbana, falta de saneamento, saúde precária, corrupção e tantas outras repetidamente esmiuçadas e nunca solucionadas. A educação, por exemplo, está permanentemente em debate, porém sempre se aponta para inviabilidade de implantação de escolas em tempo integral em toda a rede pública, enquanto, por outro lado, a cada eleição se viabiliza o aumento dos fundos partidário e eleitoral.
O Brasil insiste em sua pretensão de mediar conflitos e guerras, entretanto ignora suas guerras internas, nas quais é derrotado todos os dias. Temos quase 100.000 cidadãos que morrem todos os anos, vítimas de assassinato e acidentes de trânsito. Somos o quinto país em homicídios e em índice de mortalidade. Ostentamos o triste título de país com maior número de homicídios em números absolutos.
Pior ainda, a nação parece almejar outro título mundial negativo: o de maior carga tributária do planeta. A única solução que nossos governantes sempre apresentam é a criação de tributos. Ignora que sem combater os desvios, jamais haverá orçamento para crescer. Patina nas mesmas medidas sem resultado, dispensa a ética, não cobra condutas corretas de seus governantes, é leniente com a corrupção e não pratica transparência. Sacrifica o próprio povo, diante dos olhos atentos do mundo.
É preciso ser protagonista no próprio país antes de sonhar com protagonismo mundial. Como se propor a negociar cessar-fogo em guerras entre nações se não consegue vencer as batalhas internas contra os traficantes, contra as facções criminosas que agem dentro e fora dos presídios, e contra as malícias? Com um comportamento contrário ao discurso, o Brasil jamais conseguirá ser percebido de outra forma pelo mundo.
Cabe à mídia colaborar para denunciar esse desacerto, apontando as incongruências e cobrando ações assertivas. Muitas vezes é displicente em sua missão, como aconteceu no recente flerte do governo brasileiro com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Faltou apontar a contradição de um governo que se ufana de ser democrático e pró-ambientalista, mas se junta a uma associação oligopolista, sob a justificativa de pretender ser “fiscal da oferta para reduzir consumo”.
Meio-ambiente, democracia e comércio andam juntos no mundo moderno e o governo brasileiro parece não ter se dado conta dessa realidade atual. Se, de fato, o governo pretende proteger o meio-ambiente e promover a redução do consumo de petróleo, um bom exemplo seria retirar toda a carga tributária – ICMS e o novo tributo IVA – incidente sobre energia solar e eólica.
Nesse sentido, perdeu-se uma oportunidade de ouro com a reforma tributária, pela qual poderiam ser eliminados os tributos incidentes sobre energia eólica e energia solar. Isso não foi feito. Pelo contrário, a reforma diminuiu a isenção para carros elétricos e híbridos. Mais uma vez, a prática contrariou o discurso.
O Brasil tem todas as condições de, em médio prazo, tornar-se um protagonista mundial. Entretanto, antes de querer ditar regras e garantir cadeira no Conselho de Segurança da ONU, o país precisa se mostrar capaz de mediar guerras entre os estados da Federação, acabando com a guerra fiscal e a tributação diferenciada, medida imprescindível para reduzir as desigualdades regionais e sociais, que ajudam a criar grandes abismos entre os próprios cidadãos brasileiros.
Nosso país tem de assimilar o ensinamento do teólogo, filósofo e médico alemão Albert Schweitzer (1875-1965): ““Dar o exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única.”
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br