Foi noticiado em 2018 que o juiz Sami Storch, que atua na Bahia, fez uso da Constelação familiar para resolver conflitos. Lembram desse assunto? Ou seja, 5 anos atrás o juiz por meio da técnica de Constelação conseguiu mostrar o que a filha realmente buscava e que não tinha correlação com os alimentos propriamente dito e deixar claro os sentimentos do pai. Resultado, a moça desistiu do processo e os dois se abraçaram e se emocionaram.
A Constelação familiar trata-se de uma técnica terapêutica, fruto de anos de observação, em que as pessoas, que desejam atuar com ela, devem fazer um trabalho interno para poder olhar com isenção o que se apresenta a sua frente. É preciso ter vivenciado o caminho para conduzir alguém; assim como fez o juiz e outros profissionais.
Além disso, a Constelação é um método que visa identificar a razão de um conflito estudando a base dos sistemas de relações, observando determinado indivíduo e suas interações para conhecer a origem, muitas vezes oculta, de uma questão e resolvê-la; muitas vezes trazendo paz aos envolvidos.
Recentemente, a – Associação Brasileira de Constelações Sistêmicas (ABC Sistemas) com o objetivo de promover a regularização da adoção da Constelação no contexto dos métodos consensuais de resolução de conflitos entrou com um pedido no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No último dia 17 de outubro, teve início o processo de análise da Constelação familiar ser utilizada no âmbito no judiciário. Sendo o cenário o seguinte até então: voto do relator conselheiro contra o uso da técnica porque, na visão dele, a prática utiliza um estereótipo de família imutável e misógino baseado em leis imutáveis trazendo o risco de uma revitimização; além de não possuir respaldo científico, não podendo ser adotado como política pública. Atualmente o tema está com vista para a conselheira Sanchotene.
A abordagem deste assunto nos leva por um caminho que vale muito a pena refletir. O cenário jurídico é milenar, existe a milênios antes de Cristo e a Constelação, surgiu nos anos de 1980, na Alemanha, sob a batuta de Bert Hellinger, que defendia a existência de um inconsciente familiar que tem grande importância e afetação na vida dos indivíduos e para as organizações. Por isso é bastante compreensível o desafio que o CNJ possui para examinar um tema tão novo com lentes antigas, formais e altamente “estruturadas” podendo chegar a uma inflexibilidade que causa a famosa morosidade.
Não obstante, sabemos que o Direito é uma ciência eminentemente social, cujo foco são as relações humanas, as relações sociais. Muitas questões, que são levadas ao Judiciário, constatam-se que são questões relacionadas a aspectos familiares relativos às disfuncionalidades na ordem das famílias, na hierarquia das famílias e no pertencimento. Por exemplo, filhos cuidados por avós viram irmãos de seus pais e isso causa desordem.
Outro aspecto importante estudado na Constelação familiar é o pertencimento, nascemos então pertencemos a uma família e a um lugar. Por vezes nota-se uma desordem de pertencimento. A exemplo do caso dos excluídos, abortos espontâneos ou não, há as exclusões sociais, como também os suicidas, pessoas deficientes etc.
Papel do constelador
Há uma doutrina vasta sobre o tema Constelação familiar e quem domina a técnica sabe que não há um estereótipo de família imutável e misógino baseado em leis imutáveis nesta prática. Muito pelo contrário, a prática é aberta e só no desenvolvimento dela é que o cenário de cada um vai se formando e emergindo para trazer a compreensão.
Tal ferramenta traz clareza de que é o ser humano que tem dentro de si tudo o que precisa para os seus processos de transformação, tomada de consciência e cura, devendo responsabilizar-se por seu processo de desenvolvimento. Ou seja, é algo mais sofisticado que aplicar a decisão de um terceiro (juiz) a determinado caso concreto envolvendo determinadas pessoas.
A Constelação está a serviço da conciliação, da paz e do equilíbrio entre o dar e o receber. Ela ajuda a restabelecer o fluxo da vida, por meio do assentimento que é o SIM da alma para algo; e de trabalhar os emaranhados que a maioria das pessoas e famílias possuem.
Um exemplo é o caso de pessoas que não sabem mais se amam ou odeiam seu pai ou sua mãe, em razão de uma ação ou omissão. Com isso prejudicam-se as relações familiares.
Um emaranhado pode se arrastar por gerações, prejudicando os descendentes. Sabemos que as crianças são o reflexo dos adultos. E, mesmo sem intenção, por vezes, transmite-se aos filhos comportamentos que eles irão reproduzir sem refletir a respeito. Assim, é criado um ciclo de ações prejudiciais, os emaranhamentos.
Mesmo nas organizações acontecem esses emaranhados e podemos trabalhar por meio das constelações para trazer clareza e luz às relações melhorando o ambiente e a produtividade organizacional.
A Constelação, como ferramenta de apoio, não se restringe somente ao âmbito do Judiciário, pois aplica-se também no âmbito educacional, de saúde e como disse acima ao sistema corporativo.
Na saúde pública, a Constelação familiar foi indicada pela portaria 702, do Ministério da Saúde, de 2018, sendo que o SUS já realizou mais de 24 mil sessões de constelações familiares no país.
Explique-se também que a postura exigida para um bom constelador demanda saber ouvir, estimular a pessoa a emergir suas questões e as soluções, presença, acolhimento, ter total respeito ao contexto das pessoas, conexão, atenção, linguagem respeitosa.
Haja vista os grandes problemas do Judiciário e sua não efetividade em muitos casos, a sociedade já entendeu a importância da conciliação, mediação e arbitragem como técnicas eficazes para a solução de conflitos, pois as mesmas fortalecem a confiança não só pela celeridade com que resolvem a demanda, mas também pelo estado emocional de paz que envolve os participantes. Assim sendo, por que não colocar a serviço de quem necessita também a ferramenta de Constelação familiar?
Vamos dar uma chance às constelações? Assisti a várias e várias constelações, passei por elas na minha caminhada e não testemunhei cenários de piora para as pessoas mas sim cenários de maior compreensão sobre padrões familiares ,nem sempre saudáveis, que se repetem de geração em geração e maior leveza e paz interna para os que vivenciam essa prática.
* por Viviane Gago, advogada e consteladora pelo Instituto de Psiquiatria da USP (IPQ/USP) com parceria do Instituto Evoluir e ProSer e facilitadora pela Viviane Gago Desenvolvimento Humano