Compulsão por jogos cresce no Brasil e vício pode diminuir a qualidade de vida e até levar à falência

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A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece o jogo patológico (atualmente conhecido como transtorno de jogo) como doença desde 1980. No Brasil, estima-se que 1% tenha transtorno do jogo, e 1,3% uma síndrome parcial, totalizando 2,3% da população. Uma condição correlata ao jogo patológico e ainda pouco compreendida é a dependência de videogames. Ainda na infância e na adolescência é possível observar alterações visíveis no dia a dia. Tarefas que antes eram rotineiras, como estudo, trabalho e amizades, ficam prejudicadas. Jogar se torna o foco principal da vida do indivíduo.

Escolher um jogo para se divertir com os amigos é diferente de sentir uma necessidade incontrolável de jogar. Uma das principais pistas de que alguém já passou dos limites é o isolamento. O jogador acaba só conseguindo interagir com pessoas online, perdendo aos poucos o contato com pessoas e experiências que fazem parte de sua realidade. É importante lembrar que não existem apenas jogos violentos e prejudiciais à saúde mental. Há também muitos jogos educativos.

Mas quando a pessoa apresenta completo desinteresse por qualquer outro tipo de passatempo é preciso buscar ajuda. Assim como no caso de qualquer outra dependência, pouco a pouco, o jogador compulsivo começa a precisar aumentar o tempo e a intensidade do jogo para atingir a satisfação e o prazer. Pessoas com dependência por jogo patológico ou de videogames costumam sofrer significativamente ao serem questionados sobre a razão de jogar por tanto tempo ou ao serem chamados a atenção para parar com o vício (que eles podem não reconhecer como problema).

Recompensa
Para o pesquisador e professor Leonardo Fontenelle, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, o acompanhamento de pessoas com quadros compulsivos, revela que as motivações ao quadro de dependência devem ser tratadas no início, caso contrário a chance do indivíduo obter uma resposta satisfatória à longo prazo diminui.

Os diferentes tipos de dependência, sejam elas químicas ou comportamentais, estão muito ligados à recompensa. “Nestas condições há o envolvimento do sistema cerebral rico em dopamina, uma substância diretamente ligada a obtenção de prazer. Quando pessoas dependentes de jogos de azar observam o resultado da aposta, elas tendem a apresentar uma menor ativação do sistema de recompensa do cérebro, o que as leva a repetir as apostas de novo e de novo “, observa o Dr. Fontenelle.

Estudos iniciais sugerem que uma nova modalidade de psicoterapia em grupo e on-line, a chamada terapia de aceitação e compromisso, são úteis para pessoas com quadros compulsivos. Psiquiatras e terapeutas comportamentais podem auxiliar na mudança de padrões de pensamento. O que se nota é que a epidemia de Covid-19 aumentou a busca de pacientes por profissionais de saúde que ofereçam tratamentos online. A troca de experiências entre as pessoas com diferentes tipos de compulsões se mostra positiva e confortante.

Tratamento
O tratamento para a dependência comportamental em crianças e adolescentes é assunto pouco estudado. Já na fase adulta, são indicados antagonistas opióides (como a naltrexona) e eventualmente inibidores seletivos da recaptação da serotonina. Apesar das mulheres estarem cada vez mais envolvidas com o vício de jogar, seja apostas online, bilhetes de loteria, cassinos e caça-níqueis, o perfil principal de pessoas diagnosticadas com jogo patológico no Brasil é formado por homens de 30 a 50 anos.

No Brasil, uma pesquisa publicada em 2014 por cientistas da USP apontou que 12% da população já havia apostado pelo menos uma vez na vida e que o vício em apostas só ficava atrás do álcool e do cigarro. A suscetibilidade à compulsão, entretanto, pode ser causada por uma série de fatores que vão da predisposição genética, determinantes sociais e exposição a eventos estressantes de vida.

“Durante muito tempo, acreditou-se que a melhor fórmula para tratar a dependência comportamental, seria eliminar o vício. Percebemos que não é bem assim. Como no caso da dependência química, existe a possibilidade de recaída. Por isso é preciso saber lidar com a aceitação e compromisso. E quanto mais cedo buscar ajuda e tratamento, melhores resultados vão ser sentidos”, alerta o pesquisador Fontenelle.

Leonardo Fontenelle
Professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRJ; Coordenador do Programa de Ansiedade, Obsessões e Compulsões do Instituto de Psiquiatria da UFRJ; Pesquisador Sênior do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e Professor do Departamento de Psiquiatria da Escola de Ciências Clínicas da Monash University, Melbourne, Austrália.