Um dos principais desafios do próximo governo será reduzir a carga tributária, em especial sobre consumo e emprego, que sacrifica a população e não contribui para o desenvolvimento. Esta tarefa pode exigir mais de um mandato, tamanha sua proporção atual, porém é fundamental ser iniciada pelo governo eleito se, de fato, o Brasil quer se tornar um país mais justo e menos desigual.
A verdade é que o setor público brasileiro não cabe mais no PIB Brasil. Essa realidade é resultado de uma série de erros acumulados ao longo das últimas décadas, fruto de visões administrativas equivocadas, centradas na sanha arrecadatória, benefícios concedidos até mesmo em contrariedade à Constituição Federal, falta de planejamento a longo prazo, e viabilizadas diante da omissão de setores importantes da sociedade.
Até mesmo os números oficiais são contestáveis. Noticiada como correspondente a 33,60% do PIB, a carga tributária nacional na realidade é muito maior, aproximando-se do patamar de 41% do PIB. Isso porque não se pode considerar carga tributária somente a parcela relativa ao produto da efetiva arrecadação tributária, como acontece hoje, desconsiderando-se por completo que o cidadão comum não se beneficia de renúncias e nem de privilégios.
Somando-se a arrecadação efetiva (33,7% a 33,9% do PIB) aos gastos tributários da União, principalmente renúncias (de 4,5% a 4,7%), aos gastos tributários da estados e municípios, na forma de renuncias fiscais (0,8% a 1,0%), e às perdas com sonegação (2,5% a 3,0%), chegamos a um patamar entre 41,5% e 42,6% do PIB.
Trata-se de um número absurdo, que supera em muito a relação carga tributária/PIB registrada nos países desenvolvidos como Estados Unidos (de 25,3% a 27%), Canadá (31%), Austrália (27,5%) e Suíça (26,9) e até nos países emergentes como China (20,1%), México (23,6%) e Coréia do Sul (26,8%).
Mais grave é que o Brasil, com uma das 12 maiores cargas tributárias do mundo, devolve à população serviços públicos ruins, classificados na 30ª posição entre as nações. E, apesar disso, ainda gera déficit fiscal nominal de 4,0% a 4,2% do PIB. Um horror!
Lamentavelmente, o governo brasileiro cobra muito e cobra mal, uma vez que tributa pesadamente o consumo e as contribuições sociais, onerando o emprego, numa combinação cruelmente perfeita que pune sobremaneira as classes C, D e E. Basta ver que da arrecadação efetiva (correspondente a 33,9% do PIB) mais de dois terços (23% do PIB) advêm do consumo, somando-se os 14,76% referentes a bens e serviços, e os 8,19% das contribuições sociais. O restante é fruto de renda e ganhos de capital (8,02%), impostos sobre propriedades (1,65%), e outros (1,28%).
Como se não bastasse, há o tributo inflacionário, caracterizado pela não-correção das tabelas do Imposto de Renda Pessoa Física porque isso significa, na prática, aumentar imposto sem lei autorizativa. A defasagem, segundo cálculos do Sindifisco, é da ordem de 149%. Ou seja, a isenção do IR, que hoje beneficia quem ganha até R$ 1.903,98 por mês, alcançaria quem recebe até R$ 4.700,00 por mês se houvesse a correção. Em outras palavras, imensa parcela dos brasileiros paga a mais R$ 450,00 por mês de IR enquanto, por outro lado, quem recebe R$ 1,00 ou R$ 10,00 ou R$ 100,00 milhões a título de dividendos não paga um centavo de IR. Tamanha distorção só contribui para aumentar a injustiça social.
Enquanto isso, o déficit nominal atual, da ordem de 4% a 4,2% do PIB, é financiado pela contração de novas dívidas que geram obrigações anuais de pagamentos de juros hoje no patamar de 13,75% ao ano (taxa Selic). Isso significa dizer que o país paga R$ 54,6 bilhões por ano de juros sobre esse déficit anual, correspondente a R$ 400 bilhões.
O acúmulo de déficits do setor público, problema crônico nacional, já elevou as dívidas brasileiras para o astronômico número de R$ 7,3 a R$ 7,5 trilhões e à consequente cobrança de juros de R$ 1 trilhão por ano. Mesmo em um cenário otimista – com redução da Selic de 13,75% para 9% ou 10% ao ano – o Brasil pagaria juros de R$ 657 bilhões a R$ 750 bilhões/ano, montante superior a 5 orçamentos anuais do SUS ou suficiente para custear por 4 anos as despesas com o programa de transferência de renda (seja com o nome de Auxílio ou Bolsa Família), valor, aliás, objeto da PEC da Transição que o governo eleito negocia com o Congresso Nacional.
A revisão do setor público, com redução do seu déficit a 2% do PIB, no máximo, certamente implicaria em inflação mais comportada e em redução da taxa Selic para 8% ou 9% ao ano. Consequentemente, com a dívida pública de R$ 7,3 a R$ 7,5 bilhões, os juros anuais seriam reduzidos dos atuais R$ 900 bilhões ou até R$ 1 trilhão para menos de R$ 600 bilhões, economia substancial para uma nação que reclama a falta de recursos para investimento em setores essenciais.
É urgente enfrentar o gigantismo da máquina pública ineficiente, cara e cheia de privilégios, pois da arrecadação, que representa 33,9% do PIB, consome cerca de 35%, sendo 13% com salários do funcionalismo, de 7,5% a 9% com juros sobre dívidas, outros 3% com o déficit do Regime Geral da Previdência (INSS) e mais 1,1% com o déficit da Previdência de servidores públicos do Executivo, Legislativo e Judiciário. A situação é agravada pela enorme quantidade de municípios – 5.570 -, dos quais 68% possuem menos de 20 mil habitantes e não têm condições de se autossustentar, dependendo exclusivamente do Fundo de Participação dos Municípios.
Com tal distorção, os custos da máquina, dos programas sociais, dos serviços contratados e dos investimentos públicos são suportados pela sobra de arrecadação, de 7% a 9,8% do PIB, mais o déficit público de 4% a 4,2% do PIB, caracterizando-se, portanto, sério entrave ao desenvolvimento nacional. (Uma espécie de cachorro correndo atrás do próprio rabo)
O Brasil somente conseguirá equilibrar as contas e voltar a crescer se atacar as causas do gigantismo do setor público, cortar despesas, reduzir privilégios, renúncias fiscais, combater efetivamente a corrupção entre os agentes públicos e corrigir as enormes desigualdades regionais e sociais atuando sobre a raiz desse problema. O tamanho do desperdício ultrapassa 9% – 10% do PIB, ou seja, R$ 900 bilhões a R$ 1,0 trilhão/ano. De nada adiantará tomar medidas pontuais, espasmódicas, se não forem buscadas soluções para suas origens: gigantismo da máquina, corrupção, e renúncias fiscais ilegítimas.
Sem isso, a nação continuará patinando no esforço em busca do desenvolvimento e seguirá penalizando a população mais pobre.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br