Negligência e desinformação derrubam índices de cobertura vacinal

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A cobertura vacinal infantil retrocedeu ao menor nível das últimas três décadas. O alerta da Organização Mundial da Saúde coincide com o registro do primeiro caso de poliomielite no Brasil depois de 33 anos. A doença foi confirmada no início de outubro, no Pará, colocando todo o país em alerta.

A queda nos índices de imunização e a volta de doenças até então “erradicadas” preocupam as autoridades de saúde pública. Entre 2019 e 2021, o índice de crianças vacinadas contra paralisia infantil caiu de 84,2% para 67,7%.

No Brasil, a Campanha Nacional de Vacinação 2022 ficou muito abaixo do esperado. No Paraná, atingiu cerca de 66% do público-alvo, quando a meta era de 95% – percentual alcançado em apenas 32% dos municípios do Estado. Em Curitiba, 36,8% das crianças menores de cinco anos foram vacinadas.

Especialista em imunologia clínica, Hemerson Bertassoni Alves diz que a vacinação é tida universalmente como uma excelente forma de proteção individual. “O principal reflexo da queda na cobertura vacinal é o aumento da prevalência de inúmeras doenças sem que o SUS esteja devidamente preparado para dar conta delas. A poliomielite, por exemplo, não tem cura e afeta crianças que se tornarão adultos com um futuro complicado.”

Problema mundial

Um levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Unicef revela que o baixo índice de vacinação se repete em esfera global: 25 milhões de crianças não completaram o esquema vacinal contra difteria, tétano e coqueluche. No ano passado, a cobertura da primeira dose contra sarampo caiu para 81%, o menor patamar desde 2008. No caso da HPV, o índice na primeira dose é de apenas 15%.

Só no Brasil, a cobertura contra sarampo, caxumba e rubéola (tríplice viral) foi reduzida de 93,1% para 71,49% entre 2019 e 2021. Ou seja, três em cada dez crianças não estão devidamente protegidas. Os dados são do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde.

Causas e consequências

O declínio na cobertura vacinal pode ter resposta na negligência, na desinformação e na disseminação de fake news. “Muitas doenças, as antigas principalmente, foram negligenciadas nos últimos anos por sua baixa frequência, o que causou a falsa sensação de que não ocorreriam mais”, analisa o professor Hemerson, do curso de Biomedicina e Farmácia do UniCuritiba – instituição que faz parte da Ânima Educação, uma das principais organizações educacionais de ensino superior do país.

Segundo o especialista, além de reforçar medidas profiláticas, as autoridades públicas deveriam ter investido em políticas de esclarecimento sobre a importância das vacinas. “Tudo isso foi agravado pelo efeito ideológico de não acreditar na ciência, somado a muitos devaneios disseminados em nossa sociedade.”

Para o professor, as mesmas pessoas que alegam a falta de segurança dos imunizantes não consideram a redução no número de mortes por Covid-19 depois da vacinação. “O movimento antivacina traz prejuízos imensos para a sociedade e provocará novos colapsos nos sistemas de atenção à saúde.”

Marco histórico

Descobertas há mais de 200 anos e desenvolvidas para estimular o organismo a criar anticorpos, as vacinas contribuíram para o controle de doenças como caxumba, rubéola, tétano, sarampo, gripe e outras. A Organização Mundial da Saúde estima que 3 milhões de vidas sejam salvas por ano em função da vacinação.

No Brasil, o SUS oferece mais de 20 vacinas. O Calendário Nacional de Vacinação contempla de recém-nascidos a idosos, gestantes, indígenas e pacientes em condições clínicas especiais. “Quem adere ao movimento antivacina desconhece a história”, afirma Hemerson Bertassoni Alves.

A solução para que as metas voltem a ser cumpridas, avalia o professor do UniCuritiba, não está na imposição de medidas sanitárias drásticas, mas em campanhas eficientes de vacinação e de conscientização. “O melhor caminho é mostrar os benefícios das vacinas na proteção contra vírus e outros agentes causadores de doenças.”