Japão busca proteger investidores de cripto com regularização das moedas digitais

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Projeto de lei visa atrelar stablecoins a moedas fiduciárias a partir de 2023, tornando-as mais estáveis

No começo de junho deste ano, a câmara alta do parlamento japonês aprovou uma lei que busca regularizar stablecoins a um status de dinheiro digital, uma forma de garantir mais proteção aos investidores de criptomoedas. A partir de 2023, todo tipo de unidade monetária do gênero deve ser atrelado ao iene ou a qualquer outra moeda fiduciária, permitindo que os investidores possam sacar de acordo com seu devido valor. Elaborado pela Agência de Serviços Financeiros do Japão, o projeto já vem sendo discutido desde dezembro de 2021 e agora está caminhando para se tornar uma realidade.

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Essa nova lei também limita quem pode emitir novas stablecoins. Agora somente bancos licenciados, empresas fiduciárias e agentes de transferência monetária registrados podem lidar com esse tipo de operação. Contudo, a legislação só cobre criptomoedas originárias do Japão, não visando os ativos de outros países. Sendo assim, ainda não se sabe ao certo como funcionará a compra e venda de criptos de outras partes do mundo dentro do país.

TerraUSD e o colapso das stablecoins

As criptomoedas são investimentos voláteis. As stablecoins foram uma alternativa para tentar controlar melhor essa instabilidade, sendo um tipo de cripto que está pareada a algum tipo de ativo mais estável, como moedas fiduciárias, metais preciosos, commodities (como petróleo) ou até mesmo criptomoedas mais consolidadas no mercado, como o Bitcoin, por exemplo.

Dentre todos os tipos de stablecoins lançadas no mercado, a TerraUSD foi a que recebeu mais holofotes, sendo um criptoativo pareado ao dólar e considerado altamente seguro. Em tese, o negócio era realmente atrativo: com juros de 20% ao ano, o investidor comprava uma unidade de UST (sigla da moeda) por 1 dólar, podendo adquirir milhares ou até milhões de uma única vez; depois, era só aplicar em uma corretora e deixar o dinheiro rendendo. Após algum tempo, era possível sacar mais do que foi aplicado (de acordo com os juros) e trocar por dólares de verdade, lucrando sem fazer absolutamente nada.

Porém o investimento começou a ser abandonado por conta de alguns problemas, o que fez com que as pessoas parassem de investir, o que reduziu o valor da TerraUSD a nada. Quem colocou dinheiro ali acabou perdendo tudo e isso iniciou uma grande crise no mercado de stablecoins.

O colapso da UST levou a um prejuízo de bilhões de dólares da noite para o dia, o que abriu os olhos de muitas autoridades governamentais. Diversos países reconheceram a importância de regularizar stablecoins com urgência, inclusive o Japão, que está sendo um dos pioneiros no assunto. Além dele, o Reino Unido também está estudando a possibilidade de intervir e supervisionar emissores de stablecoins, caso seja considerado um risco para a economia do país.

Japão e criptoativos

O Japão é o país mais bem organizado e regularizado em termos de transações e investimentos envolvendo criptomoedas, tendo sido um dos primeiros lugares a apostar alto na utilização desses ativos no dia a dia. No começo de 2017, se tornou o maior mercado de Bitcoins do mundo, quando passou a aceitar o criptoativo como forma oficial de pagamento.

Mesmo com essa possibilidade, os japoneses ainda não demonstraram tanto interesse em aderir a esse dinheiro do futuro. O processo é um pouco mais trabalhoso do que pagar por meios convencionais, levando cerca de três minutos para passar por todas as camadas de segurança e transferir a moeda digital como pagamento. Fica a critério do estabelecimento oferecer essa forma de pagar ou não, mas a resposta é praticamente unânime: é muito raro que a população utilize esse recurso. Muitos até afirmam que os estrangeiros usam mais do que os próprios japoneses.

Acredita-se que grande parte do desinteresse dos japoneses em utilizar criptoativos em transações cotidianas parte da desconfiança. O país já deu sinais de que não leva segurança digital muito a sério e pagou caro por isso. Em janeiro de 2018, foram roubados 530 milhões de dólares em XEM da corretora que estava armazenando os ativos, não havia implementado um sistema de assinaturas múltiplas na carteira digital onde as moedas estavam, o que as transformou em um alvo fácil para hackers. Em 2021, o feito se repetiu,foram roubados quase 100 milhões de dólares em cripto de uma outra corretora.

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Após esse evento, a Agência de Serviços Financeiros japonesa fechou o cerco em transações relacionadas e aumentou o processo burocrático, podendo levar até seis meses para conseguir movimentar os ativos. O ocorrido certamente assustou o povo japonês, os deixando mais cautelosos em relação à utilização de uma moeda que está sob os riscos constantes da vulnerabilidade digital. Por outro lado, receber em criptoativos acaba sendo mais vantajoso para as empresas, pois diferente de um cartão de crédito, que pode levar mais de um mês para pagar o valor devido ao comerciante, a moeda digital já cai na conta na mesma hora.

De acordo com o governo japonês, tornar o Bitcoin um meio de pagamento oficial foi a forma que eles encontraram de controlar um ativo descentralizado e independente, ou seja, que não sofre interferências do governo nem de instituições financeiras. Por mais que o país não tenha controle direto sobre os Bitcoins, ou qualquer outro criptoativo, a medida forçou as corretoras a seguirem as normas financeiras regionais para que eles pudessem ser utilizados em transações comuns. Essa também é uma forma de evitar crimes como lavagem de dinheiro.

Agora, o país também vem buscando soluções para suas graves falhas de segurança digital, que continuam sendo alvo de hackers em todo mundo. O parlamento vem estudando a possibilidade de incluir as criptomoedas na legislação utilizada para o combate ao crime organizado, o que daria poder para as autoridades confiscarem qualquer cripto proveniente de atividades ilícitas. A expectativa é que ela se aplique tanto para empresas japonesas quanto para estrangeiras que atuam no país, a fim de evitar possíveis brechas que possam ser exploradas por cibercriminosos.

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