*Paulo Sergio João
A reforma trabalhista da Lei nº 13.467/17 trouxe muitas preocupações e críticas quanto à prevalência do negociado sobre o legislado e, também, quanto à autonomia da vontade privada coletiva, em especial com o disposto no parágrafo 3º do artigo 8º, que se referiu à intervenção do judiciário trabalhista nas cláusulas de negociações coletivas, afirmando que a análise deveria se pautar aos “elementos essenciais do negócio jurídico”, observado aqui os requisitos do artigo 104 do Código Civil e adotando o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.
As preocupações voltavam-se (e ainda se mantêm) às possíveis manipulações de uma assembleia e à fragilidade nas negociações em razão da pouca aderência dos trabalhadores aos sindicatos (fato confirmado com a exclusão da contribuição sindical obrigatória). As críticas envolviam (e ainda persistem) reflexões em torno do fato de que, combinado o texto legal com o princípio do negociado sobre o legislado, as negociações seriam campo fértil para redução de direitos trabalhistas.
Constata-se, contudo, que a manifestação da autonomia da vontade coletiva, extraída de assembleia dos trabalhadores, para celebração de acordos, encontra limites no que diz respeito aos efeitos que produzem certas normas nos direitos individuais dos trabalhadores representados.
Em palavras outras, a norma coletiva garantidora de direitos, de caráter abstrato, não poderia estar condicionada a manifestações ou comportamentos de natureza individual. Assim, por exemplo, cláusula que assegura garantia de emprego prevalece absoluta pelo caráter geral de proteção e pela sua própria natureza, não sendo razoável que traga em si mesmo o germe de sua negação. As condicionantes para a efetivação do direito individual dos trabalhadores atingidos devem contribuir neste sentido e analisadas como forma de efetivação e não como perda de direitos, sob pena de retrocesso de conquistas sociais.
Há ainda aspecto a considerar do ponto de vista constitucional que obsta a dispensa de trabalhadores portadores de garantia de emprego fixada por norma coletiva. Trata-se da aplicação do inciso I, do artigo 7º, que preconiza a proteção da relação de emprego em caráter geral contra despedida arbitrária ou sem justa causa que adquire maior reforço quando se cuida de situações objetivas previstas em negociações coletivas e que dizem respeito à garantia de emprego.
Neste sentido, o sítio do TST, em 24 de maio de 2022, noticiou que a “AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO ESCRITA NÃO IMPEDE DIREITO À ESTABILIDADE PRÉ-APOSENTADORIA”, decisão da 6ª Turma, tendo como relatora a ministra Kátia Arruda, que entendeu que a exigência de comunicação do empregado para o empregador não é razoável e por essa razão não pode excluir o direito adquirido pelo empregado (RR-1001476-05.2019.5.02.0715).
Não se trata, portanto, de restrição de direito assegurado por lei, mas de negociação levada a efeito entre sindicatos profissionais e de empregadores em que se assegurou a garantia de emprego ao pré-aposentado, norma de caráter geral e que atinge a todos os trabalhadores nessa situação, ou seja, que estejam próximos de completar o tempo de serviço para aposentadoria.
Todavia, a condicionante fixada, no caso a prévia comunicação ao empregador, não pode servir como excludente do direito e requisito da efetivação do direito à garantia de emprego. No caso específico, a jurisprudência do TST tem entendido que se trata de abuso de direito do empregador a dispensa de empregado em situação de garantia de emprego por cláusula normativa de pré-aposentadoria. Afirma a ministra que “A jurisprudência da SBDI-1 desta corte consolidou-se, a partir do julgamento do E-ED-RR-968000-08.2009.5.09.0011, no sentido de considerar configurado, à luz do artigo 129 do Código Civil, o abuso do direito potestativo do empregador quando ocorre a dispensa do empregado no período que antecede a aquisição da estabilidade pré-aposentadoria garantida em norma coletiva, ainda que o trabalhador tenha inobservado disposição, também prevista em instrumento coletivo, de comunicação por escrito ao empregador sobre a proximidade da jubilação”.
Trata-se de caso típico de aplicação do parágrafo 3º do artigo 8º da CLT em que a Justiça do Trabalho adota o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva de modo a dar efetividade à norma garantidora de direito e que impede o exercício do poder potestativo do empregador, corrigindo prática paradoxal e usual em negociações coletivas de assegurar o direito e logo em seguida negar sua aplicação.
*Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo