Controlar nematoides exige todas as ferramentas disponíveis

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Identificados há 30 anos no Cerrado mato-grossense, pesquisas apontam que a presença desses parasitas dos cultivos agrícolas está relacionada a um conjunto de fatores, e com olhar em logo prazo é possível evitá-los

De acordo com Guilherme Lafourcade Asmus, pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste, as primeiras referências de ocorrências de fitonematoides no Cerrado de Mato Grosso são de 1970. Em Mato Grosso, os primeiros levantamentos mostraram a presença de dez espécies, entre elas Meloidogyne, Aphelenchoides e Pratylenchus brachyurus, com 16,7%, 13,3% e 3,3%, respectivamente. Na época, elas eram esporádicas, mas já causavam grandes perdas aos agricultores.

O marco temporal ocorreu na safra 1991/92, quando o nematoide de cisto da soja (Heterodera glycines) surgiu pela primeira vez, simultaneamente no Triângulo Mineiro, Mato Grosso do Sul e MT. “Foi um marco porque esse nematoide, diferente do que acontecia até então, ocasionou danos muito severos que impactaram não só visualmente como no bolso do produtor”, explicou Asmus.

Essas informações fizeram parte do talk show “Prejuízos causados por fitonematoides no Cerrado”, apresentado na tarde desta quinta-feira (28) durante o XXII Encontro Técnico Soja da Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT), em Cuiabá-MT. Junto com o pesquisador, contribuíram com o tema a nematologista e pesquisadora da instituição, Rosangela Silva, Júlio Franchini, da Embrapa Soja, e Henrique Trevisanuto, da PA Consultoria.

Mudanças impactantes

A partir do nematoide de cisto, os produtores e pesquisadores puderam entender que esse era um problema com mais especificidade pela cultura da soja. E a cada ano que deixavam de semear esse cultivo, as populações reduziam em até 70%. O milho verão passou, então, a entrar como excelente opção em rotação de culturas. “Houve essa mudança de postura, com outras opções também como algodão e cana-de-açúcar. Mas existia a expectativa de voltar à “normalidade”, e isso melhorou quando surgiu a primeira cultivar de soja com resistência a cisto raças 1 e 3”, explicou o pesquisador da Embrapa.

Junto a isso, o plantio direto aumentou, a rotação com milheto e gramíneas forrageiras perenes também, além da intensificação do uso do solo com a sucessão de culturas – milho safrinha com braquiárias (ou não) e soja-algodão. Neste período, o melhoramento genético da soja estava debruçado nas raças 1 e 3, mas no Brasil e, especialmente no Cerrado, uma verdadeira “salada de frutas” de raças virou realidade. “E hoje, temos a presença de muitas espécies, grandes áreas com nematoides e, recentemente, o aumento preocupante com a espécie Rotylenchulus reniformis. Quem cultiva algodão sabe que é o mais problemático. Ele não causa sintomas drásticos na cultura da soja, as reboleiras são menos acentuadas e isso acaba confundindo os produtores com outras causas. E certamente as mudanças de postura foram os vetores da ocorrência dos nematoides de agora”, relatou Guilherme.

Presença em Mato Grosso

O consultor Henrique Trevisanuto apresentou dados de uma pesquisa com 1059 análises nematológicas feitas em talhões de Mato Grosso, na safra 2021/22. O levantamento concluiu que 59% das áreas tiveram média infestação de Pratylenchus, apenas 1% teve Meloidogyne e 3% teve cisto, sendo mais de 50% sem esse nematoide.

Com relação às raças de cisto, foram 334 amostras analisadas, sendo que 61% teve frequência da raça 4, 16% de raça 14 e 14% da raça 2, totalizando 91% com essas três raças na safra. “Apareceu novamente raças 1 e 3, há muitos anos não apareciam. Se fizermos um comparativo de evolução a partir da safra 17/18 até esta (mesmo tipo de levantamento), vemos que não mudou a frequência da raça 2 (de 16% para 14%), mas a 4 aumentou de 28% para 61% e a 14 caiu de 44% para 16%”, contextualizou o consultor.

Ele definiu que o que aconteceu não foi a solução do problema e sim a seleção da raça 4, que tem menos opções de variedades resistentes. O alerta, portanto, é que apenas utilizar as cultivares com resistência não resolve o problema, mas sim evitar que as populações subam, através do uso de outras alternativas.

Percepção do produtor

A nematologista Rosangela Silva, que desde 2001 desenvolve em Mato Grosso estudos sobre nematoides, ressaltou que a percepção dos produtores com relação aos nematoides mudou, mas não o suficiente. “Antes o produtor vinha conversar com a gente, ele dizia que tinha problema com nematoide, mas não sabia qual. Hoje ele sabe qual a espécie, as raças, a percepção mudou, mas será que para todos os nematoides?”, questionou. A pesquisadora acrescentou que para Rotylenchulus reniformes ainda falta melhorar muito essa percepção, pois há a noção do prejuízo no algodoeiro, mas não na soja, já que a transferência de uma cultura para a outra continua acontecendo, causando perda de rendimento nas duas em função do parasita.

Desde 2015, em avaliação de cultivares de soja plantadas antecedendo o algodão, a Fundação MT estuda o quanto elas deixam de herança dessa espécie para a cultura do algodoeiro. “Vemos que a maioria tem fator de reprodução (FR) alto, gerando essa transferência, e as que tem FR baixo, bem interessante, geralmente não possuem ciclo apropriado para anteceder essa cultura que vem na segunda safra. Então continuamos com o problema. Falo isso para mostrar que precisamos ajuda das empresas de melhoramento nisso”, expôs Rosangela.

Como proceder

Para Júlio Franchini, é preciso melhorar o ambiente para deixá-lo mais favorável à planta e desfavorável para o nematoide, utilizando a rotação com culturas não hospedeiras, que ainda melhoram a estrutura do solo. “O nematoide está aí, temos que conviver com ele. A cobertura traz proteção do solo, regulação térmica e reduz a perda de água por evaporação. Você cria um ambiente melhor para a planta, a cobertura vai trazer mais palhada, mais raiz”, descreveu.

O pesquisador continuou perguntando se o nematoide é causa ou consequência. “Eu acho que é causa de danos quando está em alta infestação, em ambiente favorável para ele e desfavorável para a planta. Mas acho que manejo inadequado tem muita causa. No caso de Pratylenchus temos altas populações e não temos danos, em outras vezes o contrário. Então não podemos atribuir ao fato de multiplicou ou não multiplicou, não é a única observação a ser feita. Toda a integração de manejo é o diferencial”, destacou.

Rosangela lembrou que o trabalho da Fundação MT no CAD Sul, em Itiquira-MT também tem bons resultados na redução de populações de nematoides com a prática da rotação de culturas. O ensaio existe desde 2008, leva aplicação de calcário para mostrar a variação do nematoide de cisto da soja. “Com plantio de milheto na área a população demorou mais pra começar a subir, mostrando que a biologia do solo interfere muito. Mais ainda, nas parcelas com rotação de culturas de entressafra (primeiro a soja, depois rotacionando com braquiária, milho e crotalária) demorou ainda mais para as populações aumentarem. Isso nos mostra que o solo biologicamente mais ativo oferece um efeito tampão para os nematoides, a parte química e biológica equilibrada também é de grande importância”, colocou a especialista.

Esse experimento também mostrou que com essas práticas a produtividade é muito interessante, com diferença de 31 sacas para 70 sacas por hectare nas parcelas de forma geral. “A parte química do solo é extremamente importante, mas também não podemos deixar de nos preocupar com o manejo cultural, que é extremamente importante”, completou a nematologista.

Aprendizados

Para Franchini, a agricultura não é filantropia. “Hoje temos ferramentas para contornar as dificuldades. Ideal é começar a prever antes que o nematoide aconteça. Quando estamos na situação que não é mais sustentável temos que atacar. De forma organizada, talhão a talhão, tentando minimizar com o tempo”, concluiu.

Para Trevisanuto, um bom planejamento, olhar para um longo prazo e não ser imediatista é o ideal. “Por exemplo pensar que os biológicos vão dar de retorno lá na frente. É melhor perder 10 sacas de milho com o consórcio, mas ganhar nos cinco anos subsequentes fazendo a prática, e melhorar a biologia do solo. Hoje temos clientes que colhem talhões de soja de 87 sacas, mas está sete anos com consórcio, cinco anos com biológico na área, faz calcário todo ano. E falando na questão do adubo, imagina quem não cuidou dos nematoides nos últimos anos e vai cortar adubo? Então fica a reflexão”, destacou.

Já o pesquisador Guilherme ressaltou que. “É necessário fazer análise de nematoide e ainda análise de o nematoide é indicador de qualidade do sistema de produção, e quando vira problema é porque algo está errado solo, fazem pouco. Produzimos bem, choveu bem, colhemos até 80 sacas, mas não estamos levando em consideração que precisa repor nutrientes. A questão da fertilidade é um dever de casa. Diminuir variabilidade dentro da área, torná-la mais homogênea, com menos regiões com problemas para as plantas. Usar mais as ferramentas que estão consolidadas, manter um ambiente bom para a planta”, finalizou.

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