Quando políticas de sustentabilidade e governança falam mais alto do que lucros empresariais
A resposta imediata e massiva do mercado financeiro à guerra entre Ucrânia e Rússia tem chamado a atenção desde a primeira semana de conflito direto, mostrando o nível de maturidade e importância que as ações de ESG (Ambiental, Social e Governança) alcançaram no setor privado global. Já no início da crise, grandes marcas, como Netflix, Prada, Disney, Shell, ExxonMobil, Jaguar Land Rover e Apple, anunciaram a interrupção de suas atividades em território russo. Nesse cenário, observa-se uma tendência: a capacidade do empresariado ocidental de pressionar países em prol da preservação de direitos e de boas relações internacionais.
Em fevereiro deste ano, um estudo conduzido pela KPMG já havia demonstrado que 45% dos gestores dos maiores fundos mundiais levam em conta fatores ambientais, sociais e de governança na hora de investir seus ativos. Uma outra pesquisa, realizada pela EY CEO Imperative Study, em 2021, apontou que 80% das lideranças atuais acreditam que medidas e posicionamentos com impacto social positivo serão reconhecidas e recompensadas por governos, parceiros de negócios e consumidores no futuro. Sendo assim, já era esperada, frente à invasão Russa, uma reação da iniciativa privada, ainda que em menor proporção.
Marcelo Bertoldi, doutor em Direito e sócio-fundador da Marins Bertoldi Advocacia, destaca que a percepção de valor construída por uma marca a partir do seu compromisso com bem-estar social se tornou uma das principais metas das organizações contemporâneas. “O impacto das ações e dos posicionamentos de uma empresa é tão relevante hoje que, como estamos vendo no caso russo, inúmeras corporações preferem deixar o lucro imediato de lado para investir na sua reputação em longo prazo”.
Essa decisão de preservar a imagem empresarial – que se fortaleceu, nas últimas décadas, com a pressão do mercado consumidor e financeiro por práticas de ESG – fez com que um grande volume de negócios optassem por descontinuar suas atividades na Rússia.
“Não é uma novidade multinacionais abrirem mão da lucratividade para preservar sua credibilidade, mas o movimento que estamos acompanhando agora, com a força e rapidez com que se deu, é surpreendente e evidencia o grau de maturidade alcançado por políticas de sustentabilidade e governança”, afirma Bertoldi.
Para o advogado, um dos exemplos mais notáveis do engajamento empresarial em questões sociais é a forma como as marcas de luxo italianas estão se colocando diante da invasão russa: “ O governo tentou evitar restrições na comercialização de produtos de luxo com a Rússia, um de seus maiores mercados consumidores. Contudo, ainda que o Estado tivesse a intenção de proteger essas transações, as próprias marcas optaram por desfazer o vínculo”, exemplificou.
Nesse contexto, em que conflito armado e negócios se misturam, a decisão das empresas têm sido entrar no front e combater ideias que representam uma ameaça aos direitos universais. Grandes indústrias, como a do petróleo, estão deixando seu recado para o mundo. “É emblemático o poder dessas manifestações. O segmento de combustíveis fósseis é responsável por 40% da receita russa. Essa é a principal matriz energética do país e ver empresas como a Shell e a BP encerrando sua participação nas atividades da Gazprom demonstra que as iniciativas atuais não compactuam com economias que desconsideram o bem-estar da população global”.
Segundo Bertoldi, a construção e a solidificação da reputação empresarial é uma ação demorada e que demanda grandes esforços, por isso, o caminho lógico é evitar que a sua imagem seja arranhada ou associada a práticas negativas.
“As novas gerações, principalmente, têm aversão a marcas que desempenham papéis prejudiciais em sua relação com o mundo. Ao repudiar a Rússia, elas estão investindo na forma como serão percebidas e lembradas pela sociedade de consumo. E, daqui para frente, esse será um elemento a ser levado cada vez mais em conta no relacionamento entre nações e na tomada de decisões internacionais”, explicou.
Para entender o peso criado pela iniciativa privada, basta olhar para o Brasil, país que , embora tenha começado a sentir e a se adequar à exigência do mercado financeiro por ações de ESG recentemente, já apresenta, segundo indicadores da Union, uma preferência de 87% dos consumidores por produtos e negócios sustentáveis. Fica evidente que, mesmo economias menores já possuem um mercado rigoroso, no qual empresas que não se responsabilizam pelo entorno e nem se comprometem com desenvolvimento humano perderão espaço para as que estão dispostas a assumir essa missão.
“O tempo vai mensurar a quantidade de retorno que as organizações terão assumindo um posicionamento que resguarda direitos e coíbe ofensivas a eles”, finaliza Bertoldi.