A envergadura do agronegócio brasileiro é indiscutível e representa quase metade de toda a riqueza exportada pelo país. A necessidade de potencializar a produtividade é grande, o que acarreta num aumento de responsabilidades. Uma das principais, que impacta não só na saúde pública como nas demais culturas, é lembrada neste 11 de janeiro, Dia Mundial de Combate ao Uso de Agrotóxico. A Sericicultura sofre com a chamada deriva – porção do agrotóxico aplicado que não atinge o alvo desejado, podendo se depositar em áreas vizinhas, com potencial de impacto no ambiente. Os casos vêm aumentando significativamente. Somente na atual safra, a Abraseda (Associação Brasileira da Seda) identificou mais de 90 casos de deriva em três estados: 76 no Paraná, 11 em São Paulo e sete no Mato Grosso do Sul. “A Sericicultura é apenas mais uma cultura agropecuária sensível que sofre com a intoxicação decorrente do uso indiscriminado de agrotóxicos”, afirma Renata Amano, presidente da Abraseda.
A cultura milenar do fio da seda tem como base práticas orgânicas e agroecológicas de produção, visto a sua sensibilidade. O bicho, que é uma suposta praga da amoreira, acaba sendo aniquilado com o uso irregular de pesticidas em culturas vizinhas. Esta é a razão de os sericicultores defenderem a conscientização dos riscos associados e trabalharem pela elaboração de alternativas agroecológicas, em busca de práticas mais sustentáveis nas culturas em larga escala. A política da boa vizinhança é o caminho para diferentes culturas agrícolas coexistirem. “O uso de produtos aprovados e formas de aplicação adequadas evitam a deriva de agrotóxicos. Se a substância química atingisse apenas o alvo desejado da monocultura no latifúndio, já seria um grande passo”, detalha Amano.
Os produtores buscam o diálogo e a cooperação com os entes públicos para auxiliar na melhor utilização dos defensivos agrícolas. Ano passado, o governo do Paraná apoiou a demanda da Câmara Técnica do Complexo da Seda e construiu o Plano Integrado de Combate à Deriva de Agrotóxicos através da iniciativa da Secretaria de Agricultura, envolvendo agentes públicos reguladores e fiscalizadores, além da sociedade civil, como o IDR-Paraná (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná), a Adapar (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná), o Sistema Ocepar, a Fetaep (Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná) e a Faep (Federação da Agricultura do Estado do Paraná).
Os prejuízos, no entanto, continuam. Somente no estado foram atingidos 600 produtores, num valor estimado de R$ 16 milhões. “Há uma busca por uma solução conjunta. Ainda estamos calculando os danos, mas a realidade é que o ressarcimento só será possível através do caminho jurídico. Queremos um caminho curto, do entendimento”, aponta o técnico agrícola Oswaldo Pádua, coordenador estadual de sericicultura do IDR, que aposta na possibilidade da harmonia entre as culturas. “É necessário falar sobre os prejuízos causados para que o sol brilhe para todos, tanto para as grandes culturas como soja, cana, milho, como a sericicultura e a apicultura, que são limpas e contribuem para um ambiente saudável”, conclui.
Já no Mato Grosso do Sul, o Ministério Público (MPMS) atua com a implantação de um Projeto de Inovação junto à Embrapa Agropecuária Oeste, liderado pelo agrônomo Rômulo Scorza. O trabalho desenvolve uma pesquisa sobre resíduos de contaminantes químicos em folhas de amoreira e lagartas do bicho-da-seda, em virtude dos prejuízos na produção de dezenas de Sericicultores no sul do estado. Em 2018, o MPMS e o MPF (Ministério Público Federal) firmaram o Termo de Acordo de Cooperação com uma empresa que havia contaminado a cultura. A companhia se comprometeu a promover um projeto ambiental no valor de R$ 250 mil e a doação de R$ 362 mil para a APOMS (Associação dos Produtores Orgânicos de Mato Grosso do Sul).
Na Embrapa Agropecuária Oeste, com sede em Dourados, Scorza promove também o monitoramento de resíduos de agrotóxicos na água do Rio Dourados. O trabalho busca por soluções que contribuam com o uso racional da água no campo e com a sua conservação, através do desenvolvimento de sistemas sustentáveis. Entre 2019 e 2020, encontrou-se 32 – de um total de 46 diferentes agrotóxicos – em pelo menos uma amostra, resultando na frequência de ocorrência igual a 70% dos compostos analisados. Entre eles, apenas a atrazina tinha valores máximos permitidos em águas superficiais previstos na legislação.
É importante lembrar que, no ano passado, o governo federal aprovou o registro de 500 agrotóxicos até o dia 2 de dezembro. O número significa um recorde da série histórica iniciada em 2000 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Os dados apontam para um volume 1,4% superior ao de 2020, quando foram liberados 493 pesticidas, o maior volume até então. Os registros vêm crescendo ano a ano no país desde 2016. “O treinamento para o correto uso de agroquímicos em proporções recomendadas e com maquinário e equipamentos adequados, a aplicação conforme condições climáticas corretas e a consequente fiscalização de ilegalidades pelos agentes públicos são pontos críticos. Os agrônomos devem estar conscientes das consequências danosas e irreversíveis que podem causar aos agricultores vizinhos e à população no entorno das áreas de aplicação caso não atendam às exigências de segurança”, ressalta Amano.